
“Não se volta se a meta é a estrela.”
Leonardo Da Vinci
Aos 92 anos andava firme, coluna reta, lucidez e memória extraordinárias.Gostava muito de falar, até mesmo consigo própria.De saúde física invejável, esguia, bonita de traços e com olhos tristes- quase nunca sorria.Rir, então, era raríssimo.
Uma certa labirintite a incomodava, mas nada que a impedisse de ler e escrever, ver TV, fazer diário, contando o dia-a-dia minuciosamente.Letra muito legível, firme e bonita.Sempre elogiada.Disciplinada em tudo, atos e decisões.Rígida consigo e com os outros.
Em 4 de março de 2006 completou 93 anos.Ganhou almoço festivo, apagou as velinhas, contou casos e encantou a todos.
Em seguida uma queda no seu quarto; assustada quando o doutor recomendou o “colar cervical” durante sete dias.Mais uns dias, outro tombo no próprio quarto – baqueou, entristeceu, dor nas pernas, inchaço nos pés, recusa em tomar remédios.Veio a terceira queda, sentada diante da TV.Querendo organizar as gavetas da cômoda, caiu de joelhos, bateu a cabeça nas gavetas e não conseguia PARAR EM PÉ.Repouso absoluto e só ir até o banheiro – amparada.Queixou-se de ficar na cama – queria ver o céu, os pássaros, a rua.Ganhou de uma amiga a cadeira de rodas.Irritava-se, queria ficar de pé sozinha – não conseguia.
Abria os braços magrinhos e pedia: Me segurem em pé, preciso.Daí para não conseguir engolir alimentos ( guardar a dentadura debaixo a encheu de vergonha) e passar para uma sonda naso-gástrica foram horas.
Em casa, na cama de hospital alugada, abria as mãos, erguia os braços e suplicava: Me tirem daqui, me tirem daqui! Desde pequena tinha pavor de morrer e ser enterrada viva ( histórias do tempo da gripe espanhola).
Ficava quieta, parecia dormir, mas, a cada troca de fraldão, dizia: Dói, como dói! ( a pele, o toque, o mexer no seu corpo).Durante a vida tivera muita dificuldade para externar carinho, mas, naqueles dias, puxava meu rosto e me dava beijinhos, até no meu marido ela fez carinho: Dizia: Obrigada, filha, sei que estou dando trabalho...
Na Sexta-feira da Paixão, senti uma enorme vontade de cantar pra ela.Recordei cânticos do meu tempo de catecismo e segurando sua mãozinha magra, fria, dedos fininhos, cantei: “...louvando a Maria o povo fiel...Ave, Ave, Ave Maria...” Cantei até sentir sua respiração, antes difícil, torna-se tranqüila , calma, leve.
Senti-me feliz por entregar minha mãe á Paz, ao Amor, á Eternidade.Na madrugada de Sábado de Aleluia, ás 4 horas, nós, meu marido e eu, vimos mamãe parar de respirar.Eu com 68, ele com 74.Ainda choro de saudades...
Fernanda Liberal
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